Introdução
Você já sentiu que está sendo tratada com desrespeito no trabalho, humilhada, obrigada a fazer tarefas além da sua função, ou ameaçada sem motivo e se perguntou se isso é normal? Pois saiba que essas situações podem ser caracterizadas como abuso de poder no trabalho.
O abuso de poder acontece quando o superior hierárquico usa sua autoridade de forma indevida, ultrapassando os limites legais e éticos da relação de emprego. É uma realidade mais comum do que se imagina e que atinge trabalhadores de diferentes cargos e áreas, especialmente em ambientes onde não há canais seguros de denúncia.
Compreender o que é abuso de poder é o primeiro passo para reagir corretamente. Afinal, é possível se proteger, registrar as ocorrências, e até pedir a rescisão indireta do contrato com base no artigo 483 da CLT, quando o empregador comete falta grave. Além disso, o abuso pode gerar impactos sérios na saúde física e emocional, e em alguns casos, até levar ao afastamento do trabalho.
Neste artigo, vamos explicar de forma clara e prática o que configura abuso de poder, quais são os limites legais do empregador, como reunir provas e denunciar, e quais direitos o trabalhador pode exercer. Também abordaremos situações específicas em que o abuso está relacionado ao afastamento por doença e como isso pode influenciar decisões médicas e previdenciárias.
Durante a leitura, traremos exemplos e explicações baseadas em decisões judiciais e orientações jurídicas. E conforme destaca Karoline Francisco, advogada previdenciária e trabalhista em Criciúma (SC), reconhecer os sinais de abuso é essencial para proteger a dignidade e garantir que o ambiente de trabalho continue sendo um espaço de respeito e segurança.
Vamos entender em detalhes o que a lei diz e como agir em cada situação para preservar seus direitos trabalhistas e sua saúde.
O que é abuso de poder no trabalho
Definição legal e conceitual
O termo abuso de poder se refere ao uso excessivo ou indevido da autoridade por parte de quem ocupa um cargo superior. No contexto trabalhista, isso ocorre quando o empregador ou gestor impõe ordens, tarefas ou punições que ultrapassam os limites do razoável, violando a dignidade e o respeito do trabalhador.
Embora o empregador tenha o chamado poder diretivo — que lhe permite organizar, controlar e fiscalizar o trabalho — esse poder não é absoluto. Ele deve ser exercido de maneira ética, proporcional e dentro da legalidade. Quando a autoridade é usada para humilhar, intimidar, ou impor situações vexatórias, caracteriza-se o abuso.
O artigo 187 do Código Civil brasileiro também reforça esse conceito, ao definir que comete abuso de direito quem excede manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pela finalidade econômica ou social do direito. Assim, um chefe que grita, humilha ou força o funcionário a executar tarefas degradantes está violando esse princípio.
O abuso pode se manifestar de várias formas: exigir metas impossíveis, fazer críticas em público, negar férias sem justificativa, ameaçar demissões injustificadas, atribuir tarefas que fogem do contrato de trabalho, ou até pressionar o funcionário a trabalhar mesmo estando doente.
Esses comportamentos afetam diretamente a integridade física e mental do trabalhador, além de comprometer o ambiente profissional e a produtividade da equipe.
Limites do poder diretivo do empregador
O poder diretivo é legítimo, mas deve respeitar princípios constitucionais e trabalhistas. Ele permite ao empregador orientar e cobrar resultados, mas impõe limites claros que não podem ser ultrapassados. Entre os principais, destacam-se:
- Dignidade da pessoa humana: A Constituição Federal garante a todos o direito à dignidade. Qualquer ação que humilhe, constranja ou exponha o trabalhador a situações vexatórias fere esse princípio.
- Proporcionalidade e razoabilidade: As ordens e cobranças devem estar dentro do que é possível e coerente com a função desempenhada. Exigir metas irreais ou tarefas perigosas pode ser considerado abuso.
- Legalidade e boa-fé: Nenhuma ordem pode violar a lei ou o contrato de trabalho. O empregador deve agir de forma ética, sem enganar, coagir ou manipular o funcionário.
- Boas práticas e costumes sociais: O ambiente de trabalho deve seguir padrões mínimos de respeito e cordialidade. Tratamentos ríspidos e humilhações em público são incompatíveis com a convivência profissional.
Quando o empregador ultrapassa esses limites, pode ser responsabilizado civil e trabalhisticamente. O trabalhador tem o direito de buscar reparação por danos morais e até requerer a rescisão indireta, quando deseja encerrar o vínculo sem perder os direitos da demissão sem justa causa. Essa possibilidade está prevista no art. 483, alínea "b", da CLT.
Na prática, isso significa que o empregado pode se desligar da empresa e ainda assim receber aviso-prévio, saldo de salário, férias, 13º e saque do FGTS, além do direito ao seguro-desemprego, se cabível. É uma forma de o Judiciário reconhecer que o abuso partiu do empregador.
Outra consequência importante é que o abuso de poder pode agravar ou até causar doenças ocupacionais, como ansiedade, depressão e distúrbios musculoesqueléticos. Nesses casos, há reflexos também na esfera previdenciária, pois o trabalhador pode requerer auxílio-doença acidentário (espécie B91), e não o comum (B31), garantindo estabilidade no emprego após o retorno.
Infelizmente, muitas vezes o abuso se manifesta de forma sutil, o que torna sua identificação mais difícil. Um chefe que faz "brincadeiras" constrangedoras, impõe tarefas desnecessárias ou ignora pedidos de ajuda pode estar, na verdade, praticando condutas abusivas. Por isso, é essencial ficar atento aos sinais e manter registros das situações.
Exemplos práticos de abuso de poder:
- Obrigar o funcionário a realizar horas extras sem pagamento ou sem autorização prévia.
- Delegar atividades perigosas sem fornecer equipamentos de segurança.
- Gritar ou expor o trabalhador a constrangimentos diante de colegas ou clientes.
- Ameaçar demissão sem justificativa plausível.
- Negar acesso a férias, pausas ou atestados médicos.
- Forçar o retorno ao trabalho durante um afastamento por doença.
Essas atitudes violam o equilíbrio da relação de trabalho e demonstram que o empregador ultrapassou o limite do poder diretivo. Elas também podem gerar danos psicológicos e comprometer a saúde do trabalhador, razão pela qual são reconhecidas pelos tribunais como justificativas para ações indenizatórias e rescisões indiretas.
Além disso, há um aspecto frequentemente ignorado: o abuso de poder interfere na saúde e no tratamento médico do trabalhador. É comum que chefias pressionem por retornos precoces, questionem atestados ou desestimulem o uso de licenças médicas. Esse tipo de conduta, além de antiética, pode agravar o quadro clínico e configurar assédio moral ou até assédio institucional, quando parte de uma cultura organizacional.
Se isso ocorrer, é importante registrar todas as ocorrências — e-mails, mensagens, testemunhas — e buscar orientação jurídica. Guardar relatórios médicos que relacionem o ambiente de trabalho à doença também é essencial para garantir a proteção previdenciária e trabalhista.
Compreender o conceito de abuso de poder e os limites da autoridade do empregador é fundamental para agir com segurança. O trabalhador informado sabe quando há exagero, entende o que pode ou não ser exigido e reconhece que o respeito é um direito, não um favor.