Abuso de poder no trabalho: como agir e proteger direitos

Você já sentiu que está sendo tratada com desrespeito no trabalho, humilhada, obrigada a fazer tarefas além da sua função, ou ameaçada sem motivo e se perguntou se isso é normal? Pois saiba que essas situações podem ser caracterizadas como abuso de poder no trabalho.

Por Natanel·15 min de leitura

Introdução

Você já sentiu que está sendo tratada com desrespeito no trabalho, humilhada, obrigada a fazer tarefas além da sua função, ou ameaçada sem motivo e se perguntou se isso é normal? Pois saiba que essas situações podem ser caracterizadas como abuso de poder no trabalho.

O abuso de poder acontece quando o superior hierárquico usa sua autoridade de forma indevida, ultrapassando os limites legais e éticos da relação de emprego. É uma realidade mais comum do que se imagina e que atinge trabalhadores de diferentes cargos e áreas, especialmente em ambientes onde não há canais seguros de denúncia.

Compreender o que é abuso de poder é o primeiro passo para reagir corretamente. Afinal, é possível se proteger, registrar as ocorrências, e até pedir a rescisão indireta do contrato com base no artigo 483 da CLT, quando o empregador comete falta grave. Além disso, o abuso pode gerar impactos sérios na saúde física e emocional, e em alguns casos, até levar ao afastamento do trabalho.

Neste artigo, vamos explicar de forma clara e prática o que configura abuso de poder, quais são os limites legais do empregador, como reunir provas e denunciar, e quais direitos o trabalhador pode exercer. Também abordaremos situações específicas em que o abuso está relacionado ao afastamento por doença e como isso pode influenciar decisões médicas e previdenciárias.

Durante a leitura, traremos exemplos e explicações baseadas em decisões judiciais e orientações jurídicas. E conforme destaca Karoline Francisco, advogada previdenciária e trabalhista em Criciúma (SC), reconhecer os sinais de abuso é essencial para proteger a dignidade e garantir que o ambiente de trabalho continue sendo um espaço de respeito e segurança.

Vamos entender em detalhes o que a lei diz e como agir em cada situação para preservar seus direitos trabalhistas e sua saúde.

O que é abuso de poder no trabalho

Definição legal e conceitual

O termo abuso de poder se refere ao uso excessivo ou indevido da autoridade por parte de quem ocupa um cargo superior. No contexto trabalhista, isso ocorre quando o empregador ou gestor impõe ordens, tarefas ou punições que ultrapassam os limites do razoável, violando a dignidade e o respeito do trabalhador.

Embora o empregador tenha o chamado poder diretivo — que lhe permite organizar, controlar e fiscalizar o trabalho — esse poder não é absoluto. Ele deve ser exercido de maneira ética, proporcional e dentro da legalidade. Quando a autoridade é usada para humilhar, intimidar, ou impor situações vexatórias, caracteriza-se o abuso.

O artigo 187 do Código Civil brasileiro também reforça esse conceito, ao definir que comete abuso de direito quem excede manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pela finalidade econômica ou social do direito. Assim, um chefe que grita, humilha ou força o funcionário a executar tarefas degradantes está violando esse princípio.

O abuso pode se manifestar de várias formas: exigir metas impossíveis, fazer críticas em público, negar férias sem justificativa, ameaçar demissões injustificadas, atribuir tarefas que fogem do contrato de trabalho, ou até pressionar o funcionário a trabalhar mesmo estando doente.

Esses comportamentos afetam diretamente a integridade física e mental do trabalhador, além de comprometer o ambiente profissional e a produtividade da equipe.

Limites do poder diretivo do empregador

O poder diretivo é legítimo, mas deve respeitar princípios constitucionais e trabalhistas. Ele permite ao empregador orientar e cobrar resultados, mas impõe limites claros que não podem ser ultrapassados. Entre os principais, destacam-se:

  • Dignidade da pessoa humana: A Constituição Federal garante a todos o direito à dignidade. Qualquer ação que humilhe, constranja ou exponha o trabalhador a situações vexatórias fere esse princípio.
  • Proporcionalidade e razoabilidade: As ordens e cobranças devem estar dentro do que é possível e coerente com a função desempenhada. Exigir metas irreais ou tarefas perigosas pode ser considerado abuso.
  • Legalidade e boa-fé: Nenhuma ordem pode violar a lei ou o contrato de trabalho. O empregador deve agir de forma ética, sem enganar, coagir ou manipular o funcionário.
  • Boas práticas e costumes sociais: O ambiente de trabalho deve seguir padrões mínimos de respeito e cordialidade. Tratamentos ríspidos e humilhações em público são incompatíveis com a convivência profissional.

Quando o empregador ultrapassa esses limites, pode ser responsabilizado civil e trabalhisticamente. O trabalhador tem o direito de buscar reparação por danos morais e até requerer a rescisão indireta, quando deseja encerrar o vínculo sem perder os direitos da demissão sem justa causa. Essa possibilidade está prevista no art. 483, alínea "b", da CLT.

Na prática, isso significa que o empregado pode se desligar da empresa e ainda assim receber aviso-prévio, saldo de salário, férias, 13º e saque do FGTS, além do direito ao seguro-desemprego, se cabível. É uma forma de o Judiciário reconhecer que o abuso partiu do empregador.

Outra consequência importante é que o abuso de poder pode agravar ou até causar doenças ocupacionais, como ansiedade, depressão e distúrbios musculoesqueléticos. Nesses casos, há reflexos também na esfera previdenciária, pois o trabalhador pode requerer auxílio-doença acidentário (espécie B91), e não o comum (B31), garantindo estabilidade no emprego após o retorno.

Infelizmente, muitas vezes o abuso se manifesta de forma sutil, o que torna sua identificação mais difícil. Um chefe que faz "brincadeiras" constrangedoras, impõe tarefas desnecessárias ou ignora pedidos de ajuda pode estar, na verdade, praticando condutas abusivas. Por isso, é essencial ficar atento aos sinais e manter registros das situações.

Exemplos práticos de abuso de poder:

  • Obrigar o funcionário a realizar horas extras sem pagamento ou sem autorização prévia.
  • Delegar atividades perigosas sem fornecer equipamentos de segurança.
  • Gritar ou expor o trabalhador a constrangimentos diante de colegas ou clientes.
  • Ameaçar demissão sem justificativa plausível.
  • Negar acesso a férias, pausas ou atestados médicos.
  • Forçar o retorno ao trabalho durante um afastamento por doença.

Essas atitudes violam o equilíbrio da relação de trabalho e demonstram que o empregador ultrapassou o limite do poder diretivo. Elas também podem gerar danos psicológicos e comprometer a saúde do trabalhador, razão pela qual são reconhecidas pelos tribunais como justificativas para ações indenizatórias e rescisões indiretas.

Além disso, há um aspecto frequentemente ignorado: o abuso de poder interfere na saúde e no tratamento médico do trabalhador. É comum que chefias pressionem por retornos precoces, questionem atestados ou desestimulem o uso de licenças médicas. Esse tipo de conduta, além de antiética, pode agravar o quadro clínico e configurar assédio moral ou até assédio institucional, quando parte de uma cultura organizacional.

Se isso ocorrer, é importante registrar todas as ocorrências — e-mails, mensagens, testemunhas — e buscar orientação jurídica. Guardar relatórios médicos que relacionem o ambiente de trabalho à doença também é essencial para garantir a proteção previdenciária e trabalhista.

Compreender o conceito de abuso de poder e os limites da autoridade do empregador é fundamental para agir com segurança. O trabalhador informado sabe quando há exagero, entende o que pode ou não ser exigido e reconhece que o respeito é um direito, não um favor.